terça-feira, 11 de novembro de 2008

Meu passageiro pede para apanhar dinheiro em casa, retorna com fuzil a tiracolo...


















Juro, de pés juntinhos (?), que é a pura realidade...

É tão inusitado que fica até difícil narrar...

É tão real que constrange...

Deve ser praga do Valdemiro Santiago ou do Gerald Thomas...

Ou seria do Lúcio Mauro Junior e de suas fãs indignadas com minha ‘brincadeirinha” sem querer querendo?

Se alguém me contasse acharia que é exagero de taxista pescador...

Não é...

Deve ter um montão de gente torcendo para eu tomar sustos...

Mas olhem, apesar do fato incomum, em momento algum alterei minha pressão arterial que já é estratosférica mesmo...

Pôs bueno...

Vamos aos fatos...

Rio de Janeiro...
Segunda-feira, 10 de novembro de 2008...

11 horas da manhã...

Pego um casal em frente ao Motel Love Time, na Glória...

Fica localizado exatamente na calçada do Amarelinho da Glória, pouco antes da entrada do Metrô, antes do acesso ao Outeiro da Glória...

Ele, branco de bermudas longas e camiseta de grife ‘mamãe sou forte’ expondo tatuagens no braço esquerdo...

Ela, loira de farmácia e nem tão bela, mas toda se achando gatinha...

Parecem ter algo como 20 anos de idade...

- Botafogo, Fiel!

Ih! ‘Fiel’ é sinônimo pepino...

Pego a Praia do Flamengo...

Trocam beijinhos, risadinhas e cochichos no banco de trás...

Ao chegar no final da Rua Oswaldo Cruz:

- Desculpa, é exatamente aonde em Botafogo?

- Me deixa na pracinha da São Clemente e ela fica em Copacabana!

- Que pracinha, Dona Marta?

- Isto, vai tocando...

Qualquer hora explico em detalhes, mas sei exatamente quando o passageiro quer ir para favela e fica enrolando...

Quando apanho passageiro já consigo supor que quer ir a favela, mesmo antes de me dizer...

Consigo me livrar na maioria das vezes, mesmo ficando sem receber o percurso...

Como ele falou que iria ficar na pracinha, imaginei que não teria que entrar no Dona Marta...

Tenho evitado favelas por carregar a filmadora que pode se transformar numa confusão difícil de explicar a traficantes...

Tenho evitado o Dona Marta depois de ficar encurralado no meio de tiroteio comendo solto numa madrugada, conforme narrei por aqui...

Não tenho preconceito algum, já entrei no Dona Marta para levar colegas de escola de meu filho Rodrigo sem sobressalto...

Vamos em frente...

Ao chegar em frente a pracinha da São Clemente ele pede que eu entre...

- Pô, você falou que iria ficar aqui!

- É que não estou sem dinheiro, tenho que apanhar em casa...

- Sacanagem!

- Fica tranqüilo, aqui não tem problema...

- Já fiquei no meio da bala comendo aqui no Dona Marta...

- Quando isto?

- Ano passado...

- Agora ta beleza, ela fica no carro e eu pego o dinheiro rapidinho...

- Você poderia ter me avisado...

- Tem piloto que é medroso...

- Não é ser medroso é que você não foi correto comigo...

- É rápido, vou te pagar...

Entramos no Dona Marta...

Circundamos barraquinhas que conheço...

Na primeira curva ele fica apreensivo, mas acredito que é exagero para impressionar a ‘namorada’...

Passamos em frente ao DPO (Departamento de Polícia Ostensivo da Polícia Militar) com um PM na porta...

Dobro a esquerda...

Um caminhão de obras do PAC descarrega material fechando o caminho a impedir continuar...

O rapaz salta e pede para a namorada esperar dentro do carro...

Fico olhando ele caminhando sem jinga, mais parecia um obreiro da Mundial...

Aguardo confiante que realmente está falando a verdade, já que parece mané...

Passa um minuto...

Dois...

Cinco...

Dez...

Dou ré e me posiciono em frente ao DPO e com o carro embicado para poder sair dali com mais facilidade...

A lei do Morro não tolera calotes em taxistas...

Qualquer taxista ludibriado recebe o valor marcado no taxímetro ao reclamar na Boca...

Penso nesta lógica...

Fico irado com a falta de respeito...

Esbravejo...

Imagino que o rapaz deve estar querendo comprar drogas e retornará no meu táxi para outro local...

Que nada...

Vejo um rapaz negro descendo em direção ao meu táxi carregando um FAL...

Isto é normal na Favela durante a noite, ao dia nunca...

Ao seu lado outro vem na minha janela com 20 reais na mão e um fuzil AK-47 com coronha dobrada...

Nem reconheço...

É meu passageiro...

Havia trocado de roupa...

Estava todo posudo...

Peito inflado e autoritário...

Parecia pessoa comum que assumiu outro personagem...

Pela janela troca beijos com a namorada enquanto seu fuzil roça meu vidro dianteiro...

Ela fica preocupada:

- Amor, tem um PM atrás de você!

- Ele é arregado!

- Aí, piloto, 20 reais...

- Deixo o troco com ela...

- Não tem troco...Quando quiser voltar aqui para beber uma cerveja, fumar um baseado, cheirar ou esquentar uma pedra é só chegar...

- Sou evangélico... Só bebo cerveja sem o pastor saber, amigo...

- Quer beber uma agora é só estacionar que lhe pago uma...

- Estou trabalhando...

- Tá vendo? Te falei que aqui é tranqüilo...

Saio dali...

- Onde você vai ficar, moça?

- Na Figueiredo com Nossa Senhora...

- O teu namorado não precisava me colocar nesta fria só para se mostrar prá você!

- ...

Ela não fala nada...

Nada...

Queria que ela falasse, me acusasse de frouxo sem coragem de pegar em armas para ganhar dinheiro grande ao invés de catar passageiros e migalhas que no final do dia se convertem em nada...

Nada...





Jorge Schweitzer

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. ps: O Morro Dona Marta fica na Zona Sul do Rio de Janeiro, em Botafogo ao lado de Copacabana; exatamente em frente a Favela existe um Batalhão da Polícia Militar (2o. BPM) e da janela do Comandante da Unidade é possível ele visualizar a comunidade inteira sem necessidade de sair de sua poltrona.
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