quarta-feira, 1 de setembro de 2010

'Les Misérables' da Rua do Riachuelo, 48

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A prefeitura do Rio de Janeiro estampou imensa faixa na frente do prédio do INSS, invadido e agora retomado; lacrado; com direito a uma patrulha com bigurrilho vermelho ligado, baseada em frente ao número 48 da Rua do Riachuelo...

No banner lindo, em branco e azul, o poder público se vangloria de estar cumprindo seu Choque de Ordem com autoridade...

O trânsito das imediações foi interditado naquela área inteira, na última segunda feira, para retirar miseráveis dali utilizando força policial incomum como se estivessem invadindo a Rocinha...

Pois é...

Na semana anterior estive exatamente dentro daquele prédio...

Narrei por aqui em taxiemmovimento.blogspot.com/.../rua-do-riachuelo-48.html

Subi infinidade de escadas, sufocado pelo inacreditável submundo irreal que semelhantes escolheram como lar temporário...

Eu estava a procura da mãe da menina Raissa, assassinada atrás do MAM no último carnaval...

Me deparei com o horror das condições degradantes de cidadãos brasileiros empurrados para último degrau da pirâmide social...

Agora vejo autoridades batendo no peito como se houvessem vencido uma batalha do bem contra o mal...

Pois é...

Ao ver o Batalhão Javerts de Choque e a Polícia Federal posicionada - com armas, cacetetes, capacetes, viseiras e escudos - contra pessoas de vestes rotas lembrei de "Les Misérables" do Victor Hugo...

Só que estas pessoas não possuem mais reação alguma ou ideais senão da sobrevivência do dia seguinte sem esperanças...

Vivem no vaivém sem endereço fixo que tanto pode ser um barraco improvisado de compensado ou debaixo de um viaduto...

Quase todos apanharam seus aparelhos de TV como primeiro objeto que não poderia ser extraviado...

As imagens de televisão são suas últimas referências do elo social perdido para sempre que ainda embala seus sonhos e anestesiam o pesadelo...

A catadora Sonia Regina Santana, 48 anos, dois filhos e uma neta que estuda no CIEP da Rua do Lavradio:

- Vou procurar outro prédio para ocupar.

Elaine Lisboa - 25 anos, viúva, dona de casa - mora há três anos no edifício invadido e se recusa a ir para algum abrigo:

- Aqui consigo alguns bicos lavando roupa. Minha filha estuda no CIEP ao lado.

Nos dias anteriores da operação policial para desalojar desvalidos, a imprensa tratou de fazer o trabalho sujo...

A coluna do Ancelmo Gois de O Globo informou que ali se refugiavam bandidos e viciados...

Mentira!

Ancelmo Gois é um jornalista sério e não deveria ter caído na armadilha sem mandar checar...

Sem querer, serviu de porta-voz de interesses de terceiros...

Não deveria...

Todas delegacias de áreas equivalentes se preocupam em monitorar estes guetos...

Policiais chegam a manter cadastro informal com nome de moradores...

Moradores de prédios invadidos não permitem que qualquer morador sequer entre na portaria com uma lata de cerveja...

Sabem que bebedeiras ou permissividade de consumo de drogas é passaporte seguro para expulsão do local...

Nestes locais sombrios ainda há regras de convivência que lhes permitiram ficar tanto tempo por lá...

Infelizmente o plano não deu certo, em razão da proximidade da Lapa revitalizada...

Lógico que não prego o descumprimento de Leis...

Mas, seria saudável que no prédio da Riachuelo 48 surgisse uma nova modalidade de convívio social numa demonstração que nem todos nossos sentimentos de solidariedade se esvairam...

Por que nenhuma ONG estrangeira rica - que protege micos, baleias e a amazônia - tratou de proteger estes esfarrapados em extinção diária nas geladeiras do IML?

Por que Eike Batista não meteu a mão no bolso e bancou a compra do prédio e o validou habitável para estes infelizes que sentem mais falta de oxigênio que os peixes da Lagoa Rodrigo de Freitas ou da enseada da Marina da Glória?

Por que o Luciano Huck não repaginou a moradia para alavancar seu Ibope nas globais tardes de sábado?

Por que Ana Maria Braga não oferendou bonecos Louro José no dia da invasão para as crianças que acabavam de perder o estrado de dormir e suas bonecas nuas sem cabelos?

Por que não apareceu nenhum político com seus ideais libertários, protetor de fracos e oprimidos, a exercitar sentimento de cidadania em prol de quem perdeu prumo?

Eu sei....

Todos nós sabemos...

Amedrontado pelo cenário, temi sacar uma porcaria de filmadora que não bancaria sequer um almoço inteiro para todos moradores dos oito andares...

Movido por este sentimento contagiado, deixei de registrar os últimos dias das pessoas que ainda circulavam por lá na semana anterior...
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Vagando entre sombras..




Jorge Schweitzer
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Um comentário:

  1. JORGE, a prtir da semana que vem, uma vez por mês, vc passe por lá e veja se pelo menos o prédio será ocupado para alguma coisa, ao invés de ser mais um elefante branco na paisagem urbana.

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