sábado, 7 de abril de 2012

Quem se importa: Joaquim Melo, de morador de lixão a banqueiro











“Se eu pudesse apontar um momento, daqueles em que você diz: ‘Agora não tem mais jeito, minha vida vai ser essa’, foram aqueles oito meses em que morei com os catadores de lixo, em Fortaleza (CE), convivendo com os urubus, com o lixo, com a lama. Tudo ali é um contexto só. É o fundo do poço da miséria humana. Ali eu disse, não tem mais jeito, daqui pra frente minha vida inteira vai ser enfrentando esse flagelo da humanidade que é a pobreza, a miséria”.

O depoimento é de Joaquim Melo, fundador do Banco Palmas – se não o primeiro, um dos primeiros bancos sociais do Brasil – em cena do documentário Quem se Importa, que estreia nesta semana, dia 13, em São Paulo, e 20, no Rio de Janeiro. Em 1984, o então seminarista Melo foi morar no lixão para fazer trabalhos comunitários. A maioria dos catadores do lixão residia na favela Palmeiras, a maior de Fortaleza. Melo, então, se mudou para o lugar. Com o passar dos anos, depois de muitos mutirões comunitários, a favela virou bairro, com saneamento básico, água encanada e luz.

Sem condições de bancar essa nova estrutura, pagar conta de água e luz, os moradores do Palmeiras passaram a vender suas casas e deixar o bairro. Foi assim que nasceu a ideia do Banco Palmas. Por meio de uma pesquisa, o “Mapa da produção e do consumo local”, a comunidade percebeu que gastava R$ 1,2 milhão em compras mensais. Cerca de 25 mil pessoas moravam no conjunto à época. Basicamente, 80% do que consumiam vinha de fora do bairro. A conclusão: se o dinheiro ficasse dentro do bairro, as pessoas também teriam condições de permanecer ali.

A largada foi dada com um empréstimo de R$ 2 mil, em 1998. O crédito era fornecido à população local por meio de uma moeda própria, a “palmas”, utilizada e aceita apenas na própria comunidade. O sistema que passou a funcionar é o mesmo até hoje. Cada palma vale R$ 1 na transação. Nenhum comerciante é obrigado a aceitar, mas cerca de 240 estabelecimentos aceitam a moeda local no Conjunto Palmeiras. O morador pode fazer um empréstimo sem juros em palmas. Ele pode ainda trocar reais por palmas no próprio banco e consumir com descontos de 5 a 10% nos estabelecimentos credenciados. Outra possibilidade, ainda, é receber parte do salário na moeda própria.

Logo, as pessoas começaram a pagar o crédito e o Banco Palmas foi conseguindo mais injeção de capital. O dinheiro passou a circular. De 2007 a 2009, o banco realizou 3.139 operações de crédito, com um volume emprestado de R$ 4.126.712,79. No total, 2,5 mil famílias foram beneficiadas pelo esquema. Segundo cálculos da organização, 8 mil postos de trabalho foram mantidos e mais 2 mil foram gerados.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará (UFCE) avaliou o impacto do Banco Palmas sobre a comunidade e mostrou que 90% dos entrevistados melhoraram sua condição de vida, 25% conseguiram um emprego e 23% montaram um pequeno negócio. O comércio local aumentou suas vendas em 80%. Ao todo foram criados 2,2 mil postos de trabalho e seis empresas comunitárias. A experiência do Palmas começou a se disseminar no Brasil. Existem, atualmente, 67 bancos comunitários no país. Em 2006, foi criada a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, que integra todos os bancos. “A palma não foi criada em Harvard ou na USP. Surgiu nos grotões do Nordeste”, diz Melo no filme. “A pobreza não é uma sentença.”






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