segunda-feira, 16 de junho de 2014

Meu Pacto com a Morte








No sábado, por volta de 15 horas, eu estava na Praça Tiradentes e assisti o caixão da cantora Marlene sendo colocado dentro de um rabecão na saída  do Teatro João Caetano...

Em volta umas quarenta pessoas idosas acompanhavam entoando 'lata d'água na cabeça'...

Um travesti com peruca ruiva arrepiada batia palmas enquanto várias coroas de flores adornavam a tampa...

Parecia um filme em preto em branco do Pasolini...

Fiquei ao largo imaginando como quanto mais avançamos na idade mais gente deixa de nos acompanhar...

Marlene moveu e contagiou multidões e no último momento somente amigos muito próximos e antigos fãs estavam lá na despedida...

Também, nem importa...

O corpo que está lá já não pertence ao antigo dono...

Impressão é que  o espírito evaporou-se para alguma outra paragem...

Ficou somente o invólucro oco que vai se decompondo rápido...

E a marca dos grandes momentos e das boas passadas...

Acho velório cerimônia macabra desnecessária...

Deveríamos ir nos afastando da vida a procura de algum cemitério dos elefantes como refúgio do nosso  momento final...

Gatos também se escondem para morrerem isolados..

Com a gente também deveria ser assim...

Ninguém merece nos ver pálidos, sem respiração em sono sem sonhos...

Sepultamento  deveria ser acompanhado somente por coveiros e um pedreiro para assentar o cimento...

Não sei...

Quando assistimos fechar a sepultura é dolorosa certeza que acabou...

Preferia sempre manter a esperança que não é o fim...

Que quem vai de alguma forma permanece...

Ou...

Já que não possível...

Que existisse uma grande festa feito o final do filme  Encontro Marcado...

Fogos, orquestra e subida aos céus em carruagens de fogo...

Num apoteótico espetáculo carvanalesco inesquecível...

Se for possível, quero o meu assim...

Com quatrocentas arregimentadas falsas viúvas em fúria  gritando meu nome e sobrenome aos prantos...

Vou separar 100 mil dólares para as figurantes...

Ontem recebi corrida com 20 dólares e moeda de cinquenta centavos...

Guardei...

Para não recair na tentação de ir torrando a poupança dolarizada, vou abrir uma CC5 em alguma paraíso fiscal e ir enviando via Western Union...

Só faltam 99 mil 979 e cinquenta cents...

Todo construção começa pelo primeiro tijolo...

Como pretendo viver uns trezentos  anos lunares, feito um Abraão, vai ser moleza...

Quanto mais que me prometeram presente de 75 mil dólares que receberei até o final do ano...

Moleza...

Vai ter coreografia de 400 carpideiras desesperadas cantando 'que Schweitzer não tinha casa, nem carro; só se garantia no lepo lepo'...

E farão a coreografia abanando na frente...

E eu todo duro deitadão em pirâmide...

Ano de 2414...

Me aguardem...




Jorge Schweitzer






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