domingo, 20 de julho de 2014

O Menino e a Lancha Toropi






Muito antes de Porto Alegre, Viamão foi  capital do Rio Grande do Sul...

Reza a lenda que o nome Viamão se deu em razão  que do alto da torre da igreja matriz da cidade é possível avistar ao muito longe os cinco  rios, todos com nome indígena e  em formato de mão: Taquari, Guaíba, Gravataí, Caí e Jacuí...

Dia desses uma moça apanhou meu táxi e contou que retornava de Viamão onde ocorre frequentemente um encontro de budistas...

Ficou fascinada com esta versão sobre Viamão que ela acreditava apenas um povoado oculto perdido longe de tudo...

Tempo destes um morador de Viamão e leitor do blog me escreveu e afirma que subiu na tal torre e não dá para ter uma panorâmica tão ampla dos tais cinco dedos do Jacui como eu narrei...

Não importa, sendo ou não verdadeira a estória,  o romantismo novelesco com tantos indicativos de veracidade já vale a versão fantasiosa...

Conheci todos afluentes do lado de dentro, olhando para as margens...

Quando menino, com  menos de oito anos de idade,  meu pai me levava para ficar embarcado na Lancha Toropi em que ele trabalhava junto com outros quatro tripulantes por períodos de mês inteiro navegando...

A Lancha Toropi fez parte de todos meus desenhos de infância...

A Toropi era um rebocador  do Deprec (Departamento Estadual  de Portos Rios e Canais) que puxava navios e chatas em direção ao canal de navegação para não encalharem...

Para mim era incompreensível uma lancha pequena puxando um monstro milhares de vezes maior na minha imaginação de criança...

Nos meus rabiscos a Toropi vinha minúscula e os navios descomunais, na mesma proporção das minhas fábulas...

Por vezes eu desenhava os prédios altos de Porto Alegre vistos de dentro do Guaíba, ainda sem o muro da Mauá...

Lembro que certo dia todos foram almoçar e me deixaram no timão, sentado em um banco muito alto...

Mandavam que eu mirasse olhar sempre numa gaivota de bronze que ficava no bico da embarcação e entrei em pânico ao ver se aproximar a ponte do Guaíba, próximo ao bairro Navegantes e Quarto Distrito e nenhum deles vir me acudir apesar dos meus berros por socorro que de nada adiantaram, passei por ali incólume...

Meu pai me tranquilizou:

- Você fez a coisa certa, era só manter o prumo; eu estava te olhando lá do convés...

No final do dia ancorávamos no A3, próximo ao galpão da Cibrazem, onde ficavam também as embarcações dos bombeiros...

Meu tio Edemar, meu padrinho de batismo, fazia as manobras de atracagem e quando estávamos a muitos metros do cais, meu pai rodava a corda em laço sobre a cabeça tal um boiadeiro e acertava em cheio umas bolas de ferro em formato de cabeça humana fincadas na calçada ao lado das escadarias que a água cobria...

Ao anoitecer eu tomava banho de balde arremessado ao rio e puxado por uma corda até o convés...

Aquilo era um festa diária...

O cardápio da janta era variado mas lembro mais de carreteiro com ovo frito sobre que a gema eu partia para misturar o colorido com farinha de mandioca...

Eu ainda conseguia escutar uma galena da barca com fones imensos e incomuns para a época...

Dormíamos na parte de baixo onde ficavam os alojamentos com várias camas, a cozinha separada e na parte de cima ficavam a cabine de comando e o convés com muitas cordas, correntes e roldanas imensas...

A casa de máquinas ficava na parte mais baixa, com uma barulheira que ninguém conseguia escutar o que outro dizia...

Até hoje lembro do cheiro exato de óleo diesel que relembro exato quando passo ao lado de geradores a diesel...

Antes de dormir todos bebericavam cachaça devagar, meu pai tomava dois copos de vinho...

Curioso que minha mãe sempre me perguntava se meu pai bebia quando estava a bordo e eu sempre negava...

Eu jurava que jamais vi alguém beber na Toropi e isto relembrado por todos eles me garantindo próximas viagens...

E...

Quando amanhecia minha visão era do paraíso...

No convés todos tomavam chimarrão escutando o programa Teixeirinha canta para o Brasil junto com Mary Terezinha na rádio Farroupilha...

Pequenos hidroaviões amerrissavam e pousavam no Guaíba, como nas revistas do Tarzan...

Os bombeiros dos garbosos barcos vermelhos ao lado subiam no mais alto das embarcações e se exibiam mergulhando de ponta cabeça no Guaíba disputando um com outro ultrapassarem suas resistências...

Meu padrinho Edemar já era meio barrigudo porém um nadador imbatível...

Para meu orgulho, ele se jogava na água e desaparecia...

Eu contava: um, dois, três, quatro... Cinquenta, cinquenta e um...

E nada do meu tio reaparecer...

Nenhum dos outros a bordo se preocupavam...

De repente, eu parava de contar já preocupado e ele reaparecia lá longe; muito além de onde qualquer bombeiro conseguia chegar sem respirar...

Os bombeiros o aplaudiam se rendendo ao meu herói imbatível...

Eu tinha curiosidade do que o Tio Edemar ficava fazendo tanto tempo embaixo do nada, até que ele resolveu me trazer todas  porcaria que encontrava no fundo do rio: chaves, ferramentas e uma tesoura novinha de inox do tempo em que a corrosão não trucidava metais de boa qualidade...

Na tripulação também tinha outro tio meu que se tornou meu padrinho de crisma...

Fui crismado na Catedral de Porto Alegre pelo Dom Vicente Scherer, o mesmo que tentou impedir  Brizola colocar uma metralhadora ponto cinquenta na torre da Igreja Matriz localizada em frente ao Palácio Piratini...

Até hoje ainda sou capaz de desenhar a Lancha Toropi com todos seus compartimentos e a bandeira no mastro lá acima...

Só não me convidem para algum cruzeiro...

Gastei toda minha vontade de ficar embarcado na infância...

Chega!




Jorge Schweitzer




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